Análises & palpites: Oscar de melhor filme
Eis minhas impressões para indicados aos Oscars 2023, com uma porcentagem de chances de vitória para cada um (calculada por meios obscuros)
Qual foi o melhor filme de 2022? Impossível saber! Cada filme é especial à sua maneira. Entretanto, cá estamos nós na expectativa da premiação da Academia, essa misteriosa entidade capaz de apontar com clareza quem é melhor que quem no mundo do cinema. Não querendo ficar de fora, tentei assistir às películas que, pelo menos, estão concorrendo na categoria de Melhor Filme. Seguem abaixo meus comentários e palpites. Estejam alertados: contém spoilers.
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Foi muito bom não ter sido pego de surpresa pela birutice dos Daniels. Swiss Army Man foi um filme que me conquistou logo de cara pelo seu potencial jojoca de criar um canivete-humano no sentido mais multifuncional da palavra (da flatulência ao par romântico). E aí tivemos, ano passado, essa pérola brilhantemente conduzida pela Michelle Yeoh, eleita a porta-voz oficial da Igreja do Otimismo Niilista. A mensagem do filme não é muito original: eu recomendo fortemente a abordagem trágico-filosófica de Clément Rosset para os que se sentiram acolhidos pela narrativa das trocas infrutíferas entre universos possíveis. Mas não estou convencido apenas em termos de conteúdo. Creio que o filme é impecável também na sua forma, na representação da ideia de multiverso e nas várias oportunidades nunca perdidas de fazer piadas e pouco-caso perante o caos absoluto. Ou seja, creio que há uma experimentação muito mais voltada a esse sentido (montagem, som, contraste entre cenas e cenários) do que em termos filosóficos. O que não é um problema, que fique bem claro. Talvez o último filme filosoficamente inovador tenha sido o Edifício Master do Eduardo Coutinho.
Chances de ganhar o Oscar: 26%. Não sei se há balanceamento suficiente entre o drama e o kung-fu para deixar os TUBARÕES da crítica satisfeitos, mas tem minha torcida.
Elvis
Eu sou um grande defensor das intervenções tipográficas de época que o Baz Luhrmann insiste em incluir nesta cinebiografia. Acho que esse tipo de recurso na verdade ajuda na imersão temporal, ao contrário do que dizem os haters. Elvis é um filme bom, divertido: desloca a narrativa para os olhos do impiedoso marketeiro vivido por Tom Hanks e deixa o rapaz Elvis um pouco mais à vontade para ser visto pelo seu papel simbólico de contraventor. Há uma questão racial permeando o filme do início ao fim, inclusive na suposta amizade que o Rei do Rock aparentava ter com o B. B. King. De fato, é estranho pensar no Elvis por meio do peso cultural que ele teve para os EUA, tanto musicalmente quanto nesses detalhes contraditórios (apropriação de ritmos do Jazz, voar de jatinho pra comer hambúrguer etc). No fim, achei que o filme tenta pintá-lo um pouco como vítima também. Essa é a tragédia da cinebiografia: o público precisa encaixar seus heróis nos quadrantes da moral para poderem, enfim, decidir se devem continuar ouvindo suas músicas ou não (isso foi uma indireta pra VOCÊ, Eric Clapton).
Chances de ganhar o Oscar: 7%. A atuação do Butler não é de se jogar fora, mas não carrega o filme nas costas. Cinebiografias musicais de Oscar me lembram de Amadeus, que é um filme muito mais comovente.
Os Banshees de Inisherin
Essa divertida história tem uma variedade de subtextos possíveis mas vamos direto ao que importa: que bom que o cachorro não morreu. Dois ex-amigos decidem criar um parâmetro quantitativo para seu afastamento mútuo: a quantidade de dedos na mão direita de Colm Sonny Larry, o violinista querido da vila, que também parece gostar muito de colecionar antiguidades e de fumar um cigarro na praia. Já Pádraic, seu mais recente desafeto, gosta de ficar conversando com os animais da sua fazenda e de ficar sendo insuportável no pub local. O filme retrata o pesadelo que é morar em um lugar pouco habitado e ser obrigado a socializar para se sentir vivo. Colm, de repente consciente da brevidade da vida humana, decide dar um basta na aporrinhação para tentar deixar algum legado artístico, e Pádraic simplesmente não entende como uma pessoa pode preferir ser não-legal do que legal (a ausência de vocabulário do personagem de Colin Farrell é fantástica). O filme consegue se aprofundar tão bem nesse conflito, o qual, superficialmente, parte de uma bobagenzinha, que quem rouba a cena mesmo é Siobhán, a irmã do pentelho e única pessoa capaz de resumir o a zona toda de maneira eficaz: “todos vocês são muito chatos”. O conflito é tão imbecil e absurdo que até mesmo a única morte do filme não tem absolutamente nada a ver com ele. Enfim, uma obra singular e muito divertida.
Chances de ganhar o Oscar: 3%. Banshees se apresenta como uma comédia, fato que o deixa meio que como um ponto fora da curva nessa disputa (filme engraçado sem um comentário social significativo? Vamos só rir, sem premiar). A súbita mudança de tom do filme a partir do momento em que Colm corta o primeiro dedo poderia ser um indicativo de drama ou suspense, mas a coisa só vai ficando cada vez mais engraçada. Enfim, não ganha o Oscar, mas ganhou meu coração.
Triângulo da Tristeza
Como é bom assistir a um filme e não sentir que nenhum minuto da sua vida foi desperdiçado. O Triângulo é uma espécie de completude discursiva, na qual uma história consegue se encerrar enquanto narrativa ao mesmo tempo em que passa uma mensagem eficaz relacionada a sua temática, vulgo, confia nos próprios recursos e não se perde no caminho. As premissas são claras: interpretar esse filme como uma alusão à luta de classes ou como uma crítica ao “capitalismo tardio” é uma estratégia segura. Entretanto, na minha opinião, não é isso que está em discussão. O Triângulo é um filme sobre gênero. É preciso filtrar as falas significativas da montanha de clichês de discussões de bar (lidas propositalmente como citações soltas durante a querela entre o Capitão e o Russo): logo no primeiro ato, após a DR entre Yaya e Carl, a influencer/modelo afirma que só largaria sua carreira promissora se fosse para virar uma trophy wife. No terceiro ato, quando a ordem social é invertida pela catástrofe e o novo microcosmo matriarcal se estabelece, é Carl que vira um trophy husband, coagido pela nova líder. Eu enxergo esse tipo de movimento como uma consolidação discursiva porque, de fato, o filme começa estabelecendo um conflito entre os personagens principais como uma disputa que se interpreta pelo gênero. Em seguida, o diretor inicia uma espécie de tensionamento dessa categoria interpretativa, demonstrando que os papéis esperados são circunstanciais, isto é, manifestações performáticas que emergem de fatores como o modo de produção em exercício. Em vez da ideia conservadora do gênero enquanto essência ou pré-disposição natural, o filme retrata a categoria como uma espécie de tecnologia. No fim, toda a situação no navio é apenas um setup por meio do qual Östlund estabelece sua marca autoral, testa os personagens e cria caricaturas das expectativas do público.
Chances de ganhar o Oscar: 4%. Não leva mas com certeza crava o pé e deixa um recado. Eu mesmo não conhecia o diretor e fiquei com muita vontade de explorar sua filmografia.
Tár
Falando em gênero, o controverso Tár é um filme um tanto lento, contemplativo, que combina elementos de ambientação, primeiro plano e som como camadas de ruídos que criam ritmo: tal e qual uma orquestra, parece um filme que pede silêncio, uma certa paciência. Não é um show de rock, é música clássica. Cate Blanchett vive uma maestrina (olha só, tem flexão para o feminino sim) ficcional (pois é, também fiquei achando que era baseada em alguém) que, após ganhar todos os prêmios possíveis (Oscar, Emmy, Grammy, Tony, rank Top 500 no Overwatch e avental do Masterchef Profissionais), se vê envolvida em uma rede de intrigas quando recebe a notícia do suicídio de uma ex-colega. Aos poucos o filme revela que Lydia Tár não parece ser muito simpática. Além de um belo histórico de envolvimento com estudantes, ela também tem alguns registros de assédio moral na ficha e uma estranha inclinação para chamar desafetos de “robôs”, meio que dando um aceno para os bilionários do vale do silício que gostam de se sentir superiores, detentores do livre-arbítrio em meio a seus funcionários assalariados. Evidentemente, Tár é uma vítima irônica da ficção esnobe que os poderosos gostam de chamar de cultura do cancelamento: quando passa a ser criticada pelo seu comportamento duvidoso, Tár vê suas conquistas escapando pelas frestas dos seus dedos, em contraste às figuras masculinas mencionadas ao longo do filme, como Bach e Schoppenhauer, cujas controvérsias em vida não foram suficientes para lhes expulsarem do patamar de referências históricas. Parece que o clube masculino das pessoas péssimas é, antes de tudo, um clube masculino. Gostaria de deixar registrado também que a cena da investida contra o maestro Eliot me fez passar mal de rir.
Chances de ganhar o Oscar: 12%. É um filmaço mas que infelizmente tem mais potencial de memes do que de estatuetas. E, poxa, eu não faço ideia se Blanchett merece mais o reconhecimento como melhor atriz do que Michelle Yeoh esse ano. Como diria o Rei Salomão, vamos cortar o prêmio e dar metade para cada uma.
Nada Novo no Front
Um filme morno. Filminhos de guerra são um gênero consolidado, sempre lembrados pela mixagem de som e pelo level design. Nesse caso, Im Westem Nichts Neues tem várias cutscenes entre as fases que mostram o outro lado da guerra: membros do alto escalão do governo analisando estatísticas, tomando decisões voltadas às próprias carreiras e comendo um cento de salgadinhos enquanto os soldados se fodem pra caralho nas trincheiras. E no fim, é um filme sobre isso: como a guerra é possível? Quero dizer, como o convencimento, a nível individual, é possível para que a guerra se torne viável? O filme não vai além de representar essa diluição que o ego sofre perante a incitação das massas. Apaga enormemente a agência do protagonista, e a retorna mediante essa espécie de desumanização, o soldado-besta que demonstra o quanto a guerra é feia, esvaziada de sentido. Cenas que parecem wallpapers de gore se intercalam com tomadas em plano americano do Daniel Brühl suando frio (ainda assim um papel melhor do que de vilão da Marvel), criando uma sensação de “tá bom… e daí?”. Visualmente, uma potência. Narrativamente, nada novo. No front. Huahuaheh
Chances de ganhar o Oscar: 10%. É um filminho de guerra.
Top Gun: Maverick
É divertido pensar na temática do novo Top Gun para além do esmero técnico das cenas de dogfighting: em tempos de inteligências artificiais, carros que dirigem automaticamente e aspiradores de pó robóticos a preços acessíveis na Shopee, acreditar no elemento humano como diferencial técnico é uma necessidade. Tom Cruise decide testar essa hipótese das maneiras mais esdrúxulas: pilotos são melhores que drones? Sim. Pilotos em posição de stall, sem oxigenação no cérebro e a uma altitude de 6 mil metros em queda livre são melhores que drones? Ainda sim. E se for em um avião muito velho contra a tecnologia de ponta malignamente projetada na taiga russa? Também sim mas olha só que coisa, o filme está acabando. Mentiradas à parte, Top Gun: Maverick é o apogeu da publicidade & propaganda. O contexto do conflito é tão isolado das suas consequências políticas que ele se torna uma máquina de convencimento, a guerra como objeto de desejo contra o qual Nada Novo no Front tentou nos salvar. Eu saí do cinema procurando a tenda de de alistamento mais próxima.
Chances de ganhar o Oscar: 4%. Seria a reviravolta mais engraçada, mas infelizmente a Academia jamais entenderá o apelo de Top Gun: Maverick. Filmes assim serão sempre Aquele Gol Do Pelé Que Devia Ter Entrado.
Os Fabelmans
Um coming of age autobiográfico do Steven Spielberg, o mestre dos efeitos especiais. Em termos gerais, um filminho tranquilo, bem Sessão da Tarde, que vai jogando uns conflitos ali familiares, religiosos, hormonais e uma ou outra aula de cinematografia nas entrelinhas. Achei a personagem da mãe do Sammy um pouco desconfortável. Meio difícil nutrir empatia por alguém que quer ter um macaco de estimação, ainda mais quando nosso parâmetro nacional é o cantor Latino. De resto, Paul Dano já consegue ser irritante sem falar nada, mas nesse filme ele não fecha a vitrola nem por um minuto. A luz no fim do túnel é a aparição surpresa de David Lynch no papel de John Ford. Poético o suficiente para me fazer acreditar que as duas horas e cinquenta minutos valeram a pena.
Chances de ganhar o Oscar: 17%. Não podemos subestimar a capacidade da Academy de premiar filmes xaropes (lembremos que La La Land ganhou Melhor Filme também).
Entre Mulheres
A presença do imaginário feminino nesse Oscar está forte e não creio que seja por coincidência. Depois do movimento MeToo iniciado em 2017, penso que vários projetos cujos ângulos de observação partam desse imaginário tenham ganhado impulso e, se não fosse pelo delay da pandemia, mais resultados já teriam começado a surgir antes. Entre Mulheres é um filme alegórico: gera um afastamento histórico pela estética de época enquanto, linguisticamente, aborda um tema por um entendimento de causa bastante contemporâneo, embora recorra também aos significantes de outrora. Ou seja, o julgamento do “olhar divino” faz com que os argumentos, réplicas e tréplicas das personagens situem-se em uma esfera metafísica, cujas estratégias de negação são o que caracterizam seus movimentos como revolucionários. Fosse a mesma história retratada em um ambiente urbano, secularizado, talvez ela não seria tão rica simbolicamente. Entre Mulheres resgata a fórmula de filmes como 12 Homens e Uma Sentença ou O Deus da Carnificina e nos posiciona como espectadores de um debate em um ambiente fechado, o qual obriga as personagens a explorar verbalmente as diferentes possibilidades de resposta à violência. Desta forma, grande parte do drama repousa na atuação, no tom de voz, nas expressões corporais e nas falas e acho que aí que está o motivo do elenco de calibre alto. O movimento do filme se dá por esse exercício de imaginação das consequências possíveis entre o fly or fight. Acho legal testar isso: o quão longe podemos visualizar as novas estruturas e instituições que conseguiríamos criar pressupondo novos modos de vida. Enquanto ficamos pesando as escolhas na balança junto com as mulheres, repousa também na única presença masculina do escrivão um certo suspense. Tem que ir até o fim pra descobrir se o rapaz August vai fugir junto ou se vai pelo menos levar uma na orelha pra ficar esperto (spoiler: nem um, nem outro).
Chances de ganhar o Oscar: 7%. O desafio de Entre Mulheres é tentar representar sua mensagem para além de um filme que se vale pelo seu peso simbólico. Como um grande entusiasta de filmes de diálogo, acho que eles precisam de suor, sujeira, aquele ângulo bem fechado no olho enquanto ele tá expressando desconfiança.
Avatar: O Caminho da Água
Esse eu infelizmente não consegui assistir. O lançamento exclusivo para a telona (justo, dado o apelo visual todo) não me permitiu a, digamos assim, acessar meios de entrar em contato com a obra ainda. Pelo trailer, parece um remake de FernGully com cenas submarinas do Discovery Channel. Reservei uns 10% de chance de Oscar para esta doideira 3D de James Cameron.