Análise do naming das principais equipes de super-heróis
Máscaras e trajes sugestivos por si só há muito não são garantia de um bom marketing
Todas as histórias de super-herói, desde os quadrinhos clássicos até as recentes produções computadorizadas de Hollywood, trazem a mesmíssima lição de moral: não-seja super-herói. Não vale a pena. Se você ganhou algum poder mágico, seja por acidente, meritocracia ou pseudociência, faça um favor a si mesmo e guarde-o para você. Seja low-profile. Use só para se teletransportar para a sua casa em algum dia de chuva que você esqueceu a janela aberta. Não tenha conta no Instagram, não tenha uma newsletter. Não cultive seu altruísmo, não seja crente, não se envolva com nada que possa gerar qualquer carga de culpa suficiente para achar que você deve algo a alguém.
Caso contrário, uma vida desoladora o aguarda: sem benefícios financeiros à altura, sem vale-alimentação, sem reconhecimento da sociedade, sem certificados para o currículo Lattes. Como diz o ditado, não adianta se fantasiar de garçom e não querer anotar o pedido. A vida de super-herói parece ser ruim e ingrata o suficiente mas, mesmo assim, eles continuam no radar cultural, inspirando não apenas a porcentagem nerdola da população, como também todo tipo de crianças, adultos, e adultos-criança com novidades e remediações cada vez mais empolgantes.
Tal proliferação desenfreada de séries e universos filmográficos sobre grupos de super-heróis precisa receber um pouco mais de crítica. Estamos diante de equipes fantásticas compostas por indivíduos que reúnem-se para multiplicar seus poderes e coletar bilheterias estrondosas. Fruto das mentes criativas de quadrinistas do século XX, porém, tais coletivos de mascarados carregam como herança esses nomes esquisitos e defasados no CNPJ. Quero dizer, é fácil seguir carreira solo: você pode adotar a alcunha que quiser usando como justificativa o mais abrangente panorama de características. Batman (trauma de infância), Mulher-Maravilha (beleza natural), Homem de Ferro (tabela periódica), Hulk (onomatopeia), Demolidor (licença poética do tradutor), Mulher Invisível (ausência confirmada), Coisa (filosofia analítica) e assim por diante.
O caldo engrossa quando você precisa conciliar esse seu background criativo com outras mentes igualmente perturbadas. Parece que eu estou descrevendo o processo de organização de um evento literário, mas o tema não mudou: reunir uma equipe de super-heróis implica na adoção de um nome-fantasia à altura da empreitada. E eu acredito que essa decisão deveria seguir algumas normas do marketing contemporâneo. Se você, membro do público-alvo deste blog, está pensando em entrar para o mundo do combate ao crime com seus amigos, por favor, considere os seguintes parágrafos como uma lista de precauções a serem tomadas na hora de escolher um nome para a sua gangue:
Liga da Justiça
Opa, vamos começar com esse clássico. Parece quase uma escolha intuitiva: você e seu bando de super-colegas juntam os trapos para mostrar pra bandidagem quem é que manda na cidade agora. Essa “Liga da Justiça” é quase uma declaração literal, um manifesto escrito com os dois pés juntos na porta da salinha da Constituição: trata-se de uma compensação direta às brechas morais e éticas que determinadas interpretações do jogo democrático podem acabar revelando. A Liga da Justiça não quer papo, quer apenas demonstrar que as formas de governo demasiado humanas DEMANDAM alguma intervenção ali, e depois mais ali também, e ali, de novo, pelo bem do povo, claro.
Como se essa constatação não fosse escandalosa o suficiente, logo acabamos nos deparando com a, digamos assim, elasticidade do termo “justiça”. Não que seja algo relativo, mas temos que ter em mente que, como já dizia Foucault, grupos sociais distintos enraizarão formas distintas de perceber como a justiça pode ser exercida. Então não são alguns parágrafos promulgados por uma assembleia legislativa que irão, de fato, orientar as ações de quem voa por aí com a cueca por cima da calça. É nessas horas que percebemos que “Liga da Justiça” se encaixa muito bem tanto como nome para super-equipe como também para facções armadas de narcotraficantes, ou como o nome do braço operacional da máfia do seu bairro, ou até mesmo como time de futebol da milícia da qual seu tio ex-policial faz parte. Você esbarra em um cara numa festa, ele vira pra você, encarando-o com olhos vermelhos, e diz: “cê não sabe que eu sou da Liga?”.
Em tempos de polarização política, escolher um nome como Liga da Justiça para sua trupe de atuação paraconstitucional é praticamente um sincericídio. É melhor admitir logo que o objetivo do projeto é o separatismo e, literalmente, deixar as máscaras caírem.
Quarteto Fantástico
Definitivamente, na minha opinião, a pior estratégia de naming dentre as super-equipes elencadas no presente ensaio. É por motivos práticos: a ideia de um “quarteto” traz severas limitações quantitativas. Você e seus amigos já tomaram essa péssima decisão de entrar para a vida de super heroísmo. Daqui pra frente, terão uma carreira arriscada, um dia a dia de alta periculosidade. Precisamos ser realistas: um de vocês vai acabar morrendo. E aí? Além de todo o processo de luto, os membros remanescentes ainda por cima terão que lidar com esse problema adicional do nome, essa memória dolorosa materializada tipograficamente. Nenhuma opção é feliz. Ou é feito um processo seletivo anunciando a vaga no LinkedIn dos super-heróis e impulsionando o post (dinheiro) ou o grupo investe em uma agência de publicidade para operar um projeto de renaming e rebranding (mais dinheiro).
Está cada vez mais raro adotar nomes como esse até mesmo em projetos menos perigosos, como bandas, conjuntos musicais, coletivos artísticos. Nenhuma banda se chama “quinteto” ou “sexteto”, porque a pessoa que trabalha com música ela já tem uma tendência bem explícita de desentender-se com os colegas e cair fora para trabalhar sozinha, para virar dentista etc. Super-heróis vivem em ambientes cheios de armas, radioatividade, laboratórios malucos e veículos supersônicos — o ambiente de música, entretanto, não é menos insalubre: álcool, drogas, boletos atrasados, parentes sem talento querendo arriscar um improviso, partituras de composições dodecafônicas. Então que tal abstrair o aspecto numérico da empreitada e focar no qualitativo? Até mesmo os Quatro Cavaleiros do Apocalipse devem estar considerando abandonar a definição exata da quantidade e abraçar de uma vez as dezenas de novas ameaças que a criativa mente humana andou disponibilizando.
Vingadores
Aí está um nome legal! Ao contrário da Liga da Justiça, os Vingadores não estão preocupados em disfarçar com alguma lorota moral as suas verdadeiras intenções: vingança, doideira, violência, o super heroísmo justificado pela dimensão visceral do trabalho (trocação de soco), e não pela suposta recompensa que é um alimento para alma (uma sociedade melhor, mais justa, com menos gente que fala gritando). O nome Vingadores sugere um empreendimento cujo pré-requisito para um processo seletivo não seria, necessariamente, ter super poderes, mas apenas ser lelé da cuca. Anda de skate muito rápido? Contratado. Faz dieta paleolítica? Contratado também. Mora em Osasco? Já tem uns pontos no currículo. Qual sua opinião sobre pegar empréstino na Crefisa?
X-Men
Esse nome já foi um tanto problematizado pelas análises de gênero, cujo olhar sociológico sugere um certo subtexto para as fraternidades mutantes. Mudanças como “X-Persons” ou “X-People” já entraram na roda das sugestões, mas desde que Elon Musk comprou o Twitter, ficou evidente o quanto qualquer coisa que leve um “X” no nome fica parecendo mais um tentáculo da crise de meia-idade do Kiko do Foguete. E, de fato, a maior diferença entre os X-Men e a SpaceX é que o Professor Xavier pelo menos não teve vergonha de assumir a calvície.
Essa camada a mais de insatisfação torna “X-Men” um nome um tanto inviável. Em sua origem, esse nome designa um grupo de super seres caracterizados pela presença do “fator X”, uma sinalização para o gene mutante trazendo, ao mesmo tempo, a inicial do seu líder. É um nome criativo, mas não envelheceu bem. Normal. É por isso que tantas empresas precisam passar por esse processo de renaming. A identidade corporativa problemática de hoje é aquela pingadinha a mais no mês do designer freelancer de amanhã.
Tropa Alfa
Nada como um nome bem-humorado para deixar o espírito da galera lá em cima. É muito legal chamar seu grupo de amigos de “tropa”. hoje eu tenho joguinho de futsal com a tropa. Hoje eu e a tropa invadimos o Boteco do Bigode pra comemorar o aniversário do Robson. Hoje eu e a minha tropa vamos assaltar a joalheria do shopping. Qualquer grupo aleatório de desocupados ganha super poderes quando passa a ser chamado de “Tropa”, e é por isso que tem tantas equipes de super-heróis por aí que são Tropa Não Sei Das Quantas. É por isso, também, que quando os meninos da quinta série andam juntos no recreio eles preferem que se refiram a eles como “A” Tropa.
Existem alguns pontos negativos que precisam ser levados em consideração. Evidentemente, corre-se grande risco da sua Tropa não ser levada a sério. O termo, em sua origem, tem uma conotação muito próxima das formações militares: usa-se “Tropa de Choque” e “Tropa de Elite” para designar esses grupos altamente treinados, voltados à ações táticas. O que, consequentemente, leva a fórmula da “Tropa” a ser cooptada com frequência por grupos de amigos da ala conservadora do espectro político. Nada pior para a credibilidade de alguma coisa do que virar xodó da extrema-direita. Então, se você um dia formar uma “Tropa”, tenha em mente que estará disputando espaço simbólico com os amigos do Neymar e com a Tropa dos Pais e Mães Preocupados Com O Teor da Programação Da TV Aberta.
Esquadrão Suicida
Chegamos no terreno da literalidade, no continente da nomenclatura óbvia, pragmática e inescrupulosa. Poucos nomes de grupos especiais são tão brutalmente honestos quanto o Esquadrão Suicida. Em tempos de Search Engine Optimization, é bastante problemático levar palavras sensíveis como “suicídio”, “morte”, “Palestina” ou “violência” no nome de algum empreendimento. Pode ser que as ferramentas de busca limitem os resultados para salvaguardar a saúde mental das pessoas que estão passeando pela Internet.
Seja lá como for, o niilismo do Esquadrão Suicida é louvável, principalmente pelo fato de que é um dos poucos grupos de super-heróis que tiveram um nome imposto sobre eles. Vários outros puderam escolher, mas os membros do Esquadrão Suicida chegaram lá, passaram pela catraca e já tinha cartão de visitas impresso, domínio registrado e camisa polo com o nome estampado. Isso é tipo, sei lá, arrumar um emprego de marinheiro num navio e descobrir já em alto-mar que o nome da embarcação é S.S. Buracão no Casco. O que não é um problema, pois você tem superpoderes. A beleza do nome está aí: o memento mori, a insistente lembrança de que mesmo sendo especial, você está fadado a repousar a sete palmos um dia. Então, se você e seus amigos forem suficientemente resolvidos com questões de ordem metafísica, eu acho bem legal e espirituosa essa atitude de escolher nomes de alto teor de auto sabotagem. Mas pelo bem do copyright, vamos pensar em alternativas: Esquadrão dos Sem Esperança. Os Super-Coitados. Cavaleiros da Ordem dos Desgraçados da Cabeça. Tropa dos Filhos da Puta do Caralho (obs. cuidado com o uso da palavra “Tropa”).
Liga Extraordinária
Sempre que nos envolvemos com grupos para tocar projetos e demais trabalhos, deparamo-nos com a inevitável figura da Pessoa Que Está Lá Mas Não Faz Nada. Ela faz parte da equipe, conquistou seu espaço talvez por carisma, por ser parente do chefe ou por ter sido sorteada em alguma rifa, mas não espere grandes contribuições. E aí você precisa dar um jeito de motivar o resto da gangue para que esse aspecto singular, essa presença maldita, não ocasione rupturas e inimizades.
Uma boa estratégia é adotar algum nome que traga afagos ao ego dos seus companheiros. Nada melhor para uma segunda-feira da manhã do que acordar sabendo que você faz parte da Liga Extraordinária, não é? Mesmo que você trabalhe só no administrativo.
Guardiões da Galáxia
É legal ser megalomaníaco. A maioria das milícias organizadas tem problemas para manter o domínio nos quarteirões do Rio de Janeiro dos quais se decreta como “controladora”, mas a gente jura que uma meia dúzia de otários vai conseguir sim “guardar” uma galáxia inteira. Nessa categoria específica de naming, o realismo e o senso comum dão lugar aos sonhos e esperanças mais esdrúxulos. Tratam-se de nomes para equipes de super-heróis que se acham. Não que isso seja errado: se há, entre o céu e a terra, algum motivo para se achar por alguma coisa, é bom que esse motivo seja inexplicável pelas ciências.
Então, creio que é até necessária uma certa liberdade poética para escolher um nome estrondoso. Os Guardiões da Galáxia, coitados, eles usam esse nome porque viajam por aí em espaçonaves, visitam outros sistemas estelares, se hospedam nos piores hotéis do terceiro braço da Via Láctea. Eles provavelmente escolheriam outro nome se pudessem. Talvez algo distante do heroísmo, como Amigos da Galera, ou Rapaziada Louca. Adotar nomes simples, que poderiam ser confundidos com grupos de pagode amador ou laboratórios de pesquisas universitárias da área de humanas, é um indicativo de índole respeitosa. Mas se você quer deixar claro que a megalomania é um traço evidente entre seus parceiros, então vá em frente. Seja parte dos “Eternos”, ou do “Panteão”, ou da “Bancada da Bala”.
Jovens Titãs
Esse nome é muito ruim porque ele tem prazo de validade. Daqui uns anos, com a calvície torando e as rugas aparecendo, o grupo vai ter que mudar: vão ser os Titãs Adultos, e depois os Velhos Titãs, e mais pra frente a Academia Brasileira de Titãs. Deixar só “Titãs” como nome é uma solução ineficaz, porque já tem uma banda chamada assim (e eles não são nada jovens). Sem contar que um nome levar a palavra “Jovem” parece coisa de igreja ou de torcida organizada, duas instituições responsáveis por grandes atrasos em discussões políticas sobre os benefícios do esporte.
Semana passada, a Marie postou uma recomendação à minha newsletter no seu último post. Ela não sabe, mas sou um leitor-fã desde a época que ela contribuía com as melhores entrevistas e resenhas e outras pautas para a revista Vice. Se você não conhece, vale a pena dar uma bisbilhotada no seu trabalho.
Enquanto escrevia essas coisas, lembrei de uma outra análise de naming que deixei no meu antigo blog no Medium. Se você gosta de ler esse tipo de bobagem, então comente aí sugestões de assuntos e temas diversos que estão carecendo de boas análises inoportunas. Essa newsletter se mantém com recursos da fundação Bolso do Bolívar. Você pode contribuir com uma assinatura paga ou também comprando as demais coisas que essa pessoa escreve.
Tem um grupo de heróis que chama "The Boys" e sim, um grupo com esse nome machista e patriarcal não é formado apenas por homens. Os únicos heróis que escolheram o nome com sabedoria foram os thunder cats, porém, um flop total. Nunca assisti 1 episódio.
Um que é também sofre do mesmo problema dos jovens titãs e é megalomaníaco é Os Eternos, se nosso sistema solar e até mesmo universo um dia acaba o nome Eternos é acreditar demais em si mesmo e em uma mentira.