Pequeno glossário da política bolsonarista
Termos e expressões que os apoiadores do Bolsonaro nos deixam de presente após esse mandato.
Chame os últimos quatro anos pelo nome que achar melhor: bolsonarismo político. Retrocesso dos direitos humanos. Desastre da amazônia. Negacionismo científico. Neofascismo. Retorno dos filhotes da ditadura. Etc. Fato é que eles nos trouxeram algumas expressões que, se não são inteiramente originais, pelo menos carregam doses de ressignificação graças ao seu emprego como justificativa para as medidas que o governo tentou implementar durante esse tempo.
A seguir, listo um glossário daquilo que a inteligência bolsonarista tentou emplacar como estratégia, operação política ou simplesmente pérola acidental da língua portuguesa. São termos que definem um breve período da história política brasileira e que, nesse contexto, transmitem um pouco dos ideais de seus simpatizantes. Busco trazer as expressões que mais circularam pela mídia, mas pode ser que outras tenham surgido por aí e que, apenas mais tarde, serão descobertas. Vai saber. Caso você, caro(a) leitor(a), lembrar de algum jargão bolsonarista não incluso na lista a seguir, considere me enviar um e-mail ou dar um grito no Twitter para complementar o glossário. Fontes sobre as expressões encontram-se hiperlinkadas pelo texto.
72 horas
Argumento matemático que sofreu várias reciclagens em busca de uma justificativa para a permanência da vigília golpista em frente aos quartéis-generais do exército. Os patriotas insatisfeitos com os resultados das eleições de 2022 fizeram questão de demonstrar pleno domínio do jogo constitucional ao elaborar previsões para a ação dos militares: assim que sair o anúncio do relatório das forças armadas sobre a fraude nas urnas (vide: Voto Impresso e Auditável), o STF terá 72 horas para confirmar a anulação da eleição; Após da diplomação do presidente eleito, é preciso aguardar 72 horas para comprovar a existência do crime eleitoral; Segundo a disposição dos itens em cima da mesa do PR (vide: PR) em seu último vídeo (vide: Live Presidencial), calcula-se 72 horas para os generais iniciarem o movimento de retomada do poder. E assim por diante.
A expressão ganhou fama entre a oposição vitoriosa pois, aparentemente, os patriotas fiéis ao Bolsonaro enfrentam até a ira dos deuses se for pra poder continuar praticando o esporte de esperar mais 72 horas no acampamento. Hoje, as 72 horas já somam mais de 1400 horas.
Acepipes
O ex-ministro da educação Abraham Weintraub, nos 14 meses que permaneceu ocupando o posto, fez algumas declarações públicas que, de certa forma, remanejaram o significado de algumas palavras da língua portuguesa. Para se referir ao escândalo dos 39kg de cocaína encontrados em um avião da Força Aérea Brasileira, Weintraub solicitou aos "acepipes" (petiscos) do PT que se acalmassem (querendo dizer, provavelmente, "asseclas").
Termos relacionados: GraphoGame
Autonomia do Médico
A discussão sobre a autonomia, na área da saúde, é um tema recorrente e abrange a relação entre médico e paciente nas dinâmicas de tratamento.
No governo Bolsonaro, o termo passou a receber ênfase pelos apoiadores do presidente no período da pandemia da COVID-19. Segundo os defensores do governo, os profissionais da saúde e os órgãos responsáveis no Brasil deveriam exercer a própria autonomia em vez de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Com o desenvolvimento das vacinas, a expressão recebeu ainda mais destaque, visto que o núcleo do governo estava empenhado em seguir uma lógica alternativa à da imunização sob a desculpa de não querer beneficiar a indústria farmacêutica. Em vez disso, a ideia era usar medicamentos para "tratamento precoce" e, consequentemente, beneficiar a indústria farmacêutica.
Cercadinho
Uma das estratégias recorrentes da inventiva equipe de comunicação de Jair Bolsonaro consistia em fazê-lo parar por alguns minutos, semanalmente, nos arredores do Palácio da Alvorada, em Brasília, e conversar com alguns apoiadores que formavam uma espécie de claque. O cercadinho era palco de piadas, desabafos, críticas ao PT e muitas vezes chegava a receber visitantes inesperados, como o haitiano que veio do futuro e avisou Bolsonaro que seu governo já tinha acabado.
Em setembro de 2022, um dos frequentadores do cercadinho revelou que, na verdade, foi pago por uma agência de publicidade para servir de escada para uma resposta do presidente.
Termos relacionados: "mitada"
"Condenado a crescer"
Em entrevista concedida em março de 2020, o Ministro da Economia Paulo Guedes tornou a reiterar alguns de seus jargões clássicos: de que o Brasil estava prestes a decolar, de que havia mais de 1 trilhão* de reais em compromissos de investimentos e que o Brasil, pela conjuntura da coisa, estaria "condenado a crescer". O ministro se tornou célebre por volta e meia aparecer em entrevistas soltando alguns números, muitas vezes na casa dos bilhões, com um embasamento possibilitado apenas pelo seu conhecimento de Chicago Boy, e fazendo as mais variadas previsões sobre o crescimento econômico do país.
* Supostamente, uma dessas promissórias de investimento era, na verdade, um e-mail de spam do famoso golpe do príncipe da Nigéria (por favor insira todos os seus dados para receber uma herança).
"Cupinxa"
Em outubro de 2022, durante sua campanha, Lula fez uma visita ao Complexo do Alemão (RJ) mediada por lideranças sociais locais. Ele recebeu de presente um boné com a sigla "CPX" estampada, que é a abreviação de "Complexo". A inteligência bolsonarista rapidamente divulgou as próprias tratativas sobre o evento, associando o candidato do PT ao crime porque, obviamente, qualquer pessoa que se aproxima das populações marginalizadas é criminosa.
Influenciadores bolsonaristas comentaram que a sigla CPX significaria, na verdade, o termo "cupinxa", uma espécie de gíria pra identificar parceiros do crime. A grafia correta do termo, entretanto, é "cupincha".
Ditadura da Toga
A toga é a vestimenta típica de magistrados, caracterizada, no Brasil, por ser uma longa peça de roupa preta que cobre o corpo todo. Uma ditadura é uma forma de governo caracterizada pela concentração de poder nas mãos de um único indivíduo ou grupo, que restringe os direitos dos demais. A expressão ganhou popularidade entre os apoiadores do governo Bolsonaro a partir do momento em que eles perceberam que o Brasil, por ser uma República, divide o poder do Estado entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esse último tem um órgão destinado principalmente à guarda da Constituição Federal, denominado Supremo Tribunal Federal (STF). Devido a essa incumbência, os bolsonaristas acreditam que o STF estaria fazendo parte de um suposto conluio com demais instituições para cercear os direitos que o presidente e seus acólitos teriam para poder fazer o que bem entendessem.
Termos relacionados: Xandão
Extrema Imprensa
Termo que se popularizou entre os defensores do governo Bolsonaro para se referir ao trabalho dos jornalistas responsáveis por cobrir as façanhas do governo. Resistentes a críticas ou denúncias, os bolsonaristas passaram chamar de "extrema imprensa" os canais de televisão, jornais e demais meios da mídia mainstream que (supostamente ligados à esquerda) ousavam proferir opiniões divergentes ou citar fatos vergonhosos sobre o presidente. O oposto da extrema imprensa seria a mídia alternativa, composta por canais do youtube, páginas do facebook, blogueiros extremistas e demais manifestações comunicativas de financiamento obscuro dedicadas a fazer assessoria de imprensa para o governo.
Fraquejada
Expressão usada por Jair Bolsonaro para se referir à única filha do gênero feminino, comparando sua performance reprodutiva em relação aos resultados anteriores. O presidente ainda teria tentado usar a mesma expressão outras vezes, reforçando a opinião das pessoas que acreditam que Bolsonaro tem algum complexo relacionado às mulheres, o qual frequentemente se manifesta quando ele sente necessidade de expressar superioridade, usa de violência verbal em debates ou faz piadas machistas.
Gabinete do Ódio
Algumas investigações conduzidas durante o governo Bolsonaro, como a CPMI das Fake News e o inquérito sobre as Milícias Digitais, apontaram para a existência de uma estrutura interna ao governo denominada como "Gabinete do Ódio". Segundo tais investigações, o gabinete seria responsável por centralizar e até coordenar a disseminação de notícias falsas e outros conteúdos duvidosos por meio de uma rede de influenciadores, blogueiros e administradores de grupos de aplicativos de mensagens e redes sociais. Há indícios de que o Gabinete empregaria membros da própria família Bolsonaro para encabeçar sua composição.
Gabinete Paralelo
Termo que se popularizou durante a CPI da COVID. Trata-se de uma suspeita manifestada pelos parlamentares que investigavam a atuação do ministério da saúde durante a pandemia: indicativos sugeriam que, além dos funcionários oficiais, havia um "gabinete paralelo" composto por empresários, pastores e investidores que, por trás dos panos, orientavam as decisões do Ministro da Saúde e combinaram as diretivas institucionais de forma... bem, paralela.
A mesma dinâmica organizacional foi posteriormente identificada no Ministério da Educação. O então ministro Milton Ribeiro foi acusado de repassar verba a mando de pastores e influenciadores ligados a um gabinete paralelo.
Globalismo
Teoria que a extrema-direita radical norte-americana usa, atualmente, para se referir ao movimento de deslocamento da hegemonia econômica iniciado a partir do final do século XX, quando a China começa a despontar como novo concorrente dos EUA. De tom conspiratório, os opositores dessa dinâmica citam como origem do problema os movimentos de globalização do pós-guerra. Pregam eles que há uma espécie de "invisibilidade governamental", segundo a qual nunca estamos de fato vendo quem manda em quem, todos são fantoches de organizações secretas que visam a implementação de uma "nova ordem mundial" ou algo que, pelas mesmas linhas genéricas, sugere que o povo é apenas massa de manobra, vítima dos imigrantes e por aí vai.
No Brasil, o termo ganha ênfase entre apoiadores do Bolsonaro mais ligados aos ensinamentos do falecido Olavo de Carvalho, que por muitos anos pregou uma ideologia de cunho anticomunista, sugerindo que o PT e demais partidos de esquerda estariam alinhados a ideais "globalistas" e que, portanto, investir na candidatura de candidatos da direita, os únicos verdadeiramente patriotas, seria a única saída para o Brasil.
O imaginário globalista teve sua performance melhor demonstrada pelo ex-ministro das relações exteriores Ernesto Araújo, cuja principal agenda estratégica era tornar o Brasil um "pária" em relação à comunidade internacional, isolando o país de grandes parceiros comerciais (como a China) e incentivando a adoção de políticas antidemocráticas que, por seu impacto interno, comunicariam proximidade com outros países-pária. Por dificultar as negociações do Brasil para obtenção de vacinas contra a COVID, o ex-ministro foi pressionado a se demitir por um movimento conjunto de senadores e demais instituições nacionais.
Histórico de Atleta
Em seu primeiro discurso transmitido em rede nacional tratando diretamente sobre a pandemia da COVID-19, em 24 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro menciona que
"...no meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha”.
A fala teria como objetivo desacreditar os efeitos do vírus da COVID-19, cujos sintomas até então ainda estavam sendo investigados pela comunidade científica internacional. A proposta de Jair seria diminuir a importância da pandemia para não se comprometer politicamente com protocolos de saúde pública.
A fala, embora baseada no princípio de que a atividade física contribui para a manutenção da saúde, não tem fundamento, visto que a doença pode deixar sequelas nas pessoas independentemente de serem atletas ou não. O histórico de atleta do presidente é perceptível pela sua mania de ficar fazendo flexões em eventos públicos.
Ideologia de Gênero
Um termo vago, espécie de expressão guarda-chuva adotada pela ala conservadora do bolsonarismo (pleonasmo?), cujo significado engloba praticamente todos os assuntos nos quais há a mínima chance de surgirem discussões sobre direitos das mulheres, movimentos feministas, direitos da população LGBTQIA+, crimes de ódio e demais ramificações desses temas.
A origem do termo é nebulosa, embora alguns autores atribuam sua popularização aos movimentos neopentecostais e a grupos de ideologia reacionária surgidos ao longo do século XX.
O principal foco de querelas em torno do tema foi a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves. Para o entendimento bolsonarista acerca das questões de gênero, basta acreditar nos papéis pré-estabelecidos pela sociedade industrial do século XIX.
Termos relacionados: Bolsodiva
Imbrochável
"Brochar" é uma expressão popular que designa a incapacidade de manter a ereção ou excitação sexual durante o intercurso. A inversão "imbrochável" é empregada pelo próprio presidente como forma de exaltar a sua performance sexual. O objetivo pode ser criar uma relação direta entre a virilidade do capitão e sua forma inovadora de governar um país. Por algum motivo, relações simbólicas entre o governo bolsonarista e a sexualidade masculina são frequentes.
Intervenção Federal
Expressão que esteve na boca do apoiador bolsonarista pelo menos desde que ele descobriu que tal coisa existia. Trata-se da capacidade do Governo Federal de intervir na autonomia de um governo local ou de simplesmente decretar ordens para atuação específica das Forças Armadas em uma situação objetiva para restauração da ordem pública. A "cartada" esteve sempre em jogo como uma aposta de que Bolsonaro um dia atenderia aos desejos molhados da sua parcela mais fiel de seguidores e instauraria alguma forma de ditadura no país.
Após o resultado das eleições de 2022, a expressão ganhou popularidade e passou a ser utilizada por manifestantes insatisfeitos com a derrota. De significado ambíguo, os bolsonaristas não sabem dizer se isso é um eufemismo para "golpe militar", para demonstrar algum problema com o processo eleitoral (vide Voto Impresso e Auditável) ou se tem alguma coisa a ver com o tão aguardado "Fechamento do STF" (vide Ditadura da Toga).
Termos relacionados: FFAA, "Novo AI-5", Artigo 142, Protesto a favor do governo, Ponta da praia
Isolamento Vertical
Proposta alternativa de política de saneamento para conter o avanço da COVID-19. Como o vírus se propaga pelo ar, aglomerações e espaços fechados ocupados por muitas pessoas criam situações propícias para o contágio. A ideia do isolamento social, uma medida proposta pela OMS, seria um passo anterior ao completo lockdown, isto é, a quarentena em que habitantes de cidades inteiras seriam orientados a não sair de suas casas (exceto trabalhadores da área da saúde e outros cuja mão de obra seria considerada essencial).
O isolamento vertical seria uma forma de isolamento social aplicada apenas a grupos de risco (idosos e pessoas com comorbidades). Como a proposta foi empurrada à exaustão pelos apoiadores do governo federal, cientistas e comunicadores tiveram que se mobilizar para explicar por quê a medida era ineficaz.
Termos relacionados: Imunidade de Rebanho
Kit COVID
Espécie de coquetel imunizante elaborado pelos responsáveis do combate à pandemia da COVID-19 (vide Gabinete Paralelo). O Kit COVID foi criado como uma alternativa à estratégia de imunização em massa (vacinação), e consistia de um conjunto de medicamentos como a cloroquina (usada no tratamento da malária e doenças autoimunes como artrite reumatóide), ivermectina (vermífugo), zinco (suplemento mineral) dentre outros.
O Kit COVID tornou-se protocolo nas redes da Farmácia Popular, bem como nos principais planos de saúde do país.
Termos relacionados: trateCov, Pazuello
Lei Anticrimes
Um dos muitos momentos que já nasceram clássicos, proporcionados pela mente hiperativa do ex-juiz, ex-ministro, ex-usuário do Telegram e ex-assessor dos debates do Bolsonaro, o agora senador eleito no Paraná Sergio Moro.
Durante seu serviço como Ministro da Justiça, Moro chegou a encaminhar uma proposta para o legislativo que chamou de "Pacote de Leis Anticrime", composto por reajustes em leis já existentes e alguns adendos que visavam ampliar a autonomia dos agentes policiais. O pacote recebeu críticas e acabou passando por reformulações antes de entrar em vigor.
Live Presidencial
Em 2015, o Facebook lançou uma nova funcionalidade: fazer streaming de vídeos para seguidores de páginas. As "lives", como ficaram conhecidas por aqui, foram incorporadas pelo governo Bolsonaro como ferramenta de divulgação dos trabalhos da presidência: todas as quintas-feiras, Jair ligava a câmera e aparecia junto a convidados e seus tradutores de libras para falar ao vivo por mais ou menos uma hora.
Durante a pandemia, as lives presidenciais foram repetidamente usadas para divulgar notícias falsas e fazer propaganda do tratamento precoce (vide Tratamento Precoce). As lives renderam momentos embaraçosos, como a versão de Ave Maria tocada na sanfona pelo presidente da Embratur e tiveram sua programação interrompida após a derrota de Bolsonaro nas eleições.
Lockdown dos Insetos
Em março de 2021, o então ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni teria criticado os defensores das medidas de isolamento social para combater a pandemia. Segundo ele, se o lockdown era tão eficaz, ele deveria ser aplicado também aos animais de rua e aos insetos, cujo livre trânsito pelas cidades acabava por transportar o vírus de um lugar para o outro.
Ministério Técnico
Segundo Jair Bolsonaro e seus apoiadores, um dos grandes problemas dos governos anteriores eram as frequentes indicações para cargos públicos e comandos de ministérios baseadas em fatores político-ideológicos, quando na verdade tais postos mereciam ser ocupados por pessoas competentes, seguindo critérios técnicos.
Embora dificilmente tenha seguido essa regra, as nomeações de Bolsonaro renderam alguns momentos curiosos. Apontado como novo Ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli teria recheado seu currículo com informações falsas e acabou sendo impedido de assumir a pasta. De fato, mentir no currículo exige muita técnica.
Motociata
Aglutinação dos termos "moto" (redução de motocicleta) e "passeata" (marcha coletiva ou caminhada executada por um grande número de pessoas). As motociatas foram ações nas quais o presidente Jair conduziu comboios de motociclistas pelas ruas de várias cidades do Brasil. Embora fizessem uso de dinheiro público, as motociatas não estavam atreladas a políticas públicas e não eram previstas no orçamento do poder Executivo. Aparentemente, infrações de trânsito também faziam parte das manifestações favoráveis ao presidente.
Um fato curioso eram as divergências em relação a quantidade de participantes. Embora os informantes bolsonaristas trouxessem números impressionantes, as autoridades de trânsito conflitavam a informação com dados de radares e pedágios, cujos números eram drasticamente menores.
Termos relacionados: lanchaciata
Neopetismo
Termo popularizado pelos entusiastas da "Terceira Via", isto é, a alternativa política cujas principais estratégias de legitimação passam pelo cultivo de uma imagem distanciada de Lula e Bolsonaro justamente porque os dois candidatos seriam a mesma coisa. Embora a ideia da Terceira Via seja antiga e tenha sua origem na polarização entre o PT e o PSDB, regra consolidada desde as eleições dos anos 1990, ela foi ressignificada nas campanhas mais recentes, passando a representar uma alternativa entre o petismo e o bolsonarismo. Pode ser uma alusão à candidatura de Ciro Gomes, de Simone Tebet, do Cabo Daciolo, do voto em branco etc.
A expressão também pode significar uma ala renovada do PT, adaptada para os propósitos da chamada "Frente Ampla", isto é, o deslocamento ao centro do espectro político que o presidente eleito do PT deve fazer para obter governabilidade.
Termos relacionados: Bolsolulismo
"No tocante"
Cacoete linguístico continuamente empregado pelo presidente em seus discursos. Equivalente ao "No que se refere" popularizado por Dilma Rousseff.
Termos relacionados: "cuestão", "talkei"
Orçamento Secreto
Mecanismo de transferência de recursos públicos entre o poder Executivo e atores do poder Legislativo, isto é, uma maneira de, por meio da verba ministerial, a presidência da República comprar apoio de parlamentares na câmara dos deputados e no senado.
A ideia do orçamento secreto é operar verbas de emendas parlamentares por meio de solicitações que não discriminam o solicitante pelo nome (eis o "secreto" do orçamento, portanto).
Um dos exemplos notáveis de aplicação do Orçamento Secreto, durante o governo Bolsonaro, foi o financiamento de shows de música sertaneja em pequenas cidades no interior de alguns estados brasileiros.
"Paralelepip" de Crack
Argumento usado comumente por Jair Bolsonaro para defender o trabalho infantil. Segundo o presidente, hoje em dia é permitido que crianças façam tudo, inclusive "cheirar um paralelpip de crack", exceto trabalhar.
Termos relacionados: Golden Shower, "sou angolano"
Passar a Boiada
Frase que ficou famosa após a divulgação das imagens da reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, na qual o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles teria comentado que
"enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de COVID, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas".
O termo se refere a uma série de medidas de afrouxamento de leis de proteção ambiental e até mesmo revogação de atos de demarcação de territórios indígenas, com o objetivo de facilitar a exploração dos recursos naturais do território amazônico.
Termos relacionados: Hemorróida
PIB Privado
O PIB (Produto Interno Bruto) é um valor destinado a representar a soma de todos os bens finais produzidos por um país, cidade ou estado. Para calcular o PIB, uma série de pesquisas e levantamentos são necessários. Entram no cálculo, por exemplo, a soma das atividades remuneradas, produção industrial, gastos do governo com investimentos etc. O PIB é um dos conceitos básicos da disciplina econômica contemporânea, tendo suas origens traçadas por volta do século XVIII, quando os teóricos dos Estados modernos começaram a conceber métodos quantitativos para o estudo das economias de mercado.
Não necessariamente tendo sido criado por Paulo Guedes e sua equipe, o termo "PIB privado" chama atenção da mídia e dos economistas ao aparecer em um relatório do governo federal datado de fevereiro de 2020, no qual comemora-se uma diferença no crescimento do PIB privado em relação ao PIB total do país (o relatório não está mais disponível hoje). Especialistas divergem se é possível separar os alhos dos bugalhos.
"Pintou um Clima"
Expressão proferida por Jair durante uma entrevista ao Paparazzo Rubro-Negro, no Youtube (um canal flamenguista com análise de jogos e outros conteúdos futebolísticos. A entrevista do presidente foi excluída do catálogo). Na ocasião, Bolsonaro relatou que
“Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”.
A expressão utilizada repercutiu por seu tom sexual e gerou críticas. A super bem preparada equipe de comunicação do presidente rapidamente se adiantou para esclarecer que Jair falava que "pintou um clima" quase que rotineiramente, para fazer piadinhas ou se referir a qualquer coisa que achava legal o. Uma análise das lives dele (vide Live Presidencial), e de suas falas desde sua época como deputado, revela que a expressão nunca tinha sido usada em público antes.
PR
Por algum motivo ainda não esclarecido, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro gostam de se referir a ele pela sigla "PR". Há quem afirme que isso é uma transposição da sigla POTUS (President of the United States) para uma versão nacionalizada, apesar da língua portuguesa não designar uma abreviação oficial para o cargo da presidência da República.
A sigla é também usada para se referir aos pastores das igrejas.
Quatro Linhas da Constituição
Frequentemente questionado por suas declarações de teor golpista, o presidente Jair Bolsonaro passou a afirmar que, por exemplo, no caso do processo eleitoral, "jogará dentro das quatro linhas da constituição".
Não parece haver uma interpretação definitiva sobre o que seriam essas quatro linhas, embora colunistas de opinião acreditem se tratar de uma metáfora esportiva.
Recuperação em V
Aparentemente, existe uma série de classificações de ritmos de crescimento econômico que se referenciam nas oscilações do PIB. Essas classificações usam letras do alfabeto cujas formas correspondem a essas oscilações quando representadas em gráficos. Esse método tipográfico de análise econômica parece ter sido o favorito dos especialistas que tentavam prever como seria o comportamento da economia mundial na pós-pandemia.
O termo "Recuperação em V" ganhou popularidade após ter sido proferido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Sempre otimista, teria ele cravado que o Brasil poderia ter uma recuperação rápida se as pessoas começassem a colaborar em vez de torcer contra o governo.
Tratamento Precoce
Um dos diversos esforços do governo Bolsonaro para desacreditar a vacinação como método de combate contra a pandemia da COVID-19. Tratava-se de uma campanha turbinada pela Secretaria Especial de Comunicação Social, consistindo principalmente de manifestações contra o isolamento social e a favor da alternativa bolsonarista: continuar levando a vida normalmente e usar o chamado "Tratamento Precoce" em casos de diagnóstico de COVID.
Tal tratamento consistia, na verdade, em receitar os medicamentos do Kit-Covid e torcer para que a pessoa não desenvolvesse complicações. Uma das principais consequências do Tratamento Precoce foi a crise do oxigênio em Manaus, que virou pauta durante a CPI da COVID-19.
O método bolsonarista foi considerado ineficaz e duramente criticado por cientistas e divulgadores científicos, que consideram o termo apenas um eufemismo para não se referir diretamente aos medicamentos sem benefícios comprovados que estavam sendo receitados.
Tchutchuca do Centrão
No dia 3 de abril de 2019, em uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na câmara dos deputados, o ministro da economia, Paulo Guedes, fora convidado a depor na audiência sobre a reforma da previdência. Na ocasião, o Chicago Boy foi interpelado pelo deputado Zeca Dirceu:
“O senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidades. O senhor é tigrão quando é com os agricultores, os professores. Mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país".
Entretanto, a expressão teve um disparo de popularidade quando, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro foi chamado de "Tchutchuca do Centrão" por um crítico youtuber enquanto se entretinha com seu cercadinho (vide Cercadinho). O causo ganhou repercussão internacional quando o jornal norte-americano The New York Times tentou traduzir "tchutchuca" como "the pork-barrelers’ little lap dog".
Vachina de João Doria
Outro subproduto dos tempos pandêmicos brasileiros foi a rivalidade que se criou entre o presidente Bolsonaro e João Doria, então governador de São Paulo. Cansado do corpo mole e da enrolação do Governo Federal para buscar vacinas contra a COVID-19, Doria tratou de firmar uma parceria entre a Sinovac, farmacêutica chinesa, e o Instituto Butantan para produzir a vacina Coronavac em território nacional. Graças a essa iniciativa, o governador acabou dando início à campanha de vacinação nacional contra a COVID-19.
Bolsonaro, entretanto, não deixou barato e disparou diversos pronunciamentos contra Doria, acusando-o de estar usando a vacina como "marketing" de uma campanha presidencial antecipada. Apesar disso, o empresário falhou em obter apoio do próprio partido, não lançou nenhuma candidatura e anunciou, durante as eleições de 2022, sua retirada da vida pública.
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Voto Impresso e Auditável
Ciente da possibilidade de não ser reeleito, Bolsonaro nunca parou de criticar o sistema de votação brasileiro, principalmente em relação à segurança das urnas eletrônicas. Em um exemplo de comprometimento com a causa, Jair afirmava que mesmo as eleições de 2018, das quais saiu vitorioso, foram fraudadas.
Engrossando o coro de insatisfeitos, os apoiadores do presidente logo começaram a pedir uma modificação na urna eletrônica que a faria imprimir os votos computados, tornando-a, consequentemente, "auditável". A urna, entretanto, passa por renovações a cada edital de eleição, tem o código aberto para conferências e pode sofrer auditorias por vias eletrônicas se necessário for.
A campanha pelo voto impresso fez o presidente convocar embaixadores para tentar vender a ideia da fraude nas urnas, e mais recentemente teve o discurso adaptado para tentar convencer que as urnas mais atuais são as únicas que podem ser conferidas, e modelos antigos teriam problemas de segurança. Até hoje, a hipótese de fraude nas urnas não foi confirmada e o presidente e seus apoiadores nunca conseguiram apresentar provas.
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