Breves reflexões sobre design e experiência
Resumo de aula ministrada na disciplina de Design e Experiência na UFPR (Novembro de 2022). A ideia de experiência e sua incorporação à disciplina do design é debatida por meio de interpretações da psicologia, dos estudos sobre consumo e pela área da educação.
Não é muito difícil entender o que está acontecendo na imagem acima. Ela é uma captura de tela de um celular aberto no aplicativo de relógio, com um despertador configurado para disparar a cada dez minutos entre as 6:30 da manhã até as 7:20. Essa imagem sugere uma história: pode ser a tela do celular de alguém que tem dificuldades para acordar cedo, ou que tem um histórico de voltar a dormir depois de desligar o despertador, mas não pode de jeito nenhum perder um compromisso sério amanhã às 8 horas.
Seja qual for o perrengue, é interessante notar que os despertadores atuais permitem que os sonolentos os adaptem de forma a garantir a experiência de acordar pela manhã, de um jeito ou de outro. Não que essa experiência seja necessariamente agradável, mas já é mais funcional do que os despertadores clássicos. Quando nos perguntamos sobre os requisitos mínimos para ter um despertador funcionando, conseguimos deduzir um sistema que opera nas seguintes linhas: preciso de algo capaz de marcar o tempo; e acoplado a esse mecanismo, alguma coisa que emita sinais quando o tempo desejado for marcado.
A coisa começa a complicar quando esse sistema simples se mostra não-funcional, isto é, incapaz de acordar uma pessoa. Despertadores digitais preveem esse problema permitindo que múltiplos tempos desejados sejam estabelecidos. Alguns vão além, permitindo alterar o som da campainha, o volume, talvez deixando até a pessoa escolher uma música favorita. Entram em cena não apenas os requisitos mínimos de um sistema funcional, mas também os aspectos de uso e experiência: a pergunta não é mais sobre como um despertador funciona, mas sim como nós gostaríamos que ele funcionasse.
Outras soluções mais criativas, como o Clocky, o despertador-demônio que sai correndo quando começa a tocar, sugerem que o problema da experiência de um sistema permite ser explorado de múltiplas formas. Um exercício de imaginação que eu gosto de propor é: e se o requisito fundamental do despertador não fosse necessariamente o de acordar cedo, mas o de acordar feliz? Esse reenquadramento da questão a abre para várias outras abordagens de design. Questões sensoriais entram em cena: há algo de incômodo no barulho logo de manhã cedo. Acordar com cheiros agradáveis (um café recém passado, uma torrada com manteiga derretida) proporcionaria uma experiência mais positiva. Há um desconforto também no despertar abrupto que o alarme proporciona: quem sabe um sistema capaz de oferecer não um momento do despertar, mas um processo gradativo, que acorda a pessoa ao longo de vários minutos silenciosos de prazer (entenda como quiser). Há um aspecto social na experiência do despertar também: sugestões pipocam sobre como é melhor acordar perto de alguém (ou algum bichinho) que gostamos. A discussão se profunda: é possível acordar bem tendo dormido pouco? Talvez um despertador que dispare não apenas na hora de acordar, mas também na hora de dormir, avisando o usuário sobre suas horas de sono restantes, também ajude.
A experiência, nesse exemplo, aparece como uma chave que nos permite destrinchar um pouco as funções e usos pré-estabelecidos sobre os produtos do dia-a-dia. Mas isso não quer dizer que seja fácil definir o que se entende por "experiência". De fato, ela parece ser uma palavra que é adotada mais pela sua abrangência, pelo seu amplo escopo sugerido, do que por ter algum significado objetivo.
Entre razões e emoções
Não é coincidência que um dos autores contemporâneos mais relevantes para o design tenha sua formação na área da psicologia: Donald Norman, autor de livros basilares como O Design do Dia a Dia (1988) e Design Emocional (2003), torna-se uma referência ao sugerir que a disciplina do design ganha muito ao incorporar entre seus conceitos as temáticas que envolvem processos cognitivos e sistemas de tomada de decisão das pessoas.
Um detalhe importante, aqui, é que a psicologia, desde os trabalhos de Freud no início do século XX, passa a reforçar uma premissa básica: a de que existem fatores não-conscientes influenciando as ações dos seres humanos. São diferentes as formas de interpretar isso: a psicanálise tenta identificar os elementos constitutivos dessa porção "inconsciente" da mente, de modo a corretamente atribuir a eles alguns comportamentos ou "complexos". A psicologia comportamental, por sua vez, tenta identificar traços desses impulsos em padrões de comportamento observáveis, sugerindo que condicionamentos ou fatores fisiológicos estejam em jogo.
Alguns conceitos da psicologia se difundem entre designers que encontram maneiras de aplicá-los em projetos, sobretudo em interfaces e materiais de cunho persuasivo. Um desses conceitos é a de que a cognição humana tem dois "sistemas" de funcionamento distintos. Um deles (chamado de "Sistema 1") está ativo durante a maior parte do tempo. Trata-se de um sistema que permite a nós dividirmos nossa atenção enquanto executamos tarefas simples, que não demandam muita energia. Pense em coisas que estamos habituados a fazer: escovar os dentes, reconhecer um rosto feliz, brincar com um cachorro, conversar sobre alguma fofoca. É muito mais fácil para nossa atenção deixar a resposta para a maior parte das tarefas para o Sistema 1, então a tendência é que acabemos usando ele para resolver problemas que, na verdade, demandariam maior processamento por serem mais complexos — por isso, somos criaturas enviesadas, isto é, pré-dispostas a julgamentos a partir dos aspectos superficiais de coisas que podem ter mais detalhes ocultos.
Quando algum problema maior aparece diante de nós, o Sistema 1 pode não dar conta e acabar chamando pela ajuda do Sistema 2. Esse segundo complexo de funcionamento usa mais energia porque ele demanda um foco cognitivo. Coloca para funcionar os miolos e é capaz de abstrair situações de modo a analisá-las com maior precisão. Um bom exemplo para diferenciar os Sistemas 1 e 2 é quando aprendemos a dirigir automóveis. As aulas da autoescola e as provas do DETRAN são momentos onde o Sistema 2 está a todo vapor, tentando interiorizar os aspectos de funcionamento do carro, leis de trânsito e o comportamento dos demais motoristas e pedestres. Isso é diferente quando a pessoa dirige há mais de 20 anos, por exemplo. Nesse segundo caso, o Sistema 1 ocupa-se do volante por já ser uma tarefa muito bem compreendida pelo motorista.
A teoria dos dois sistemas foi desenvolvida em maior extensão por Cass Sunstein e Richard Taller em seu livro Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade, lançado em 2008. A tese central do livro é a de que existem maneiras de enriquecer o ambiente que nos cerca com pequenos nudges para a nossa atenção, isto é, dispositivos que nos aguçam cognitivamente e nos ajudam a avaliar melhor as variáveis dos problemas. Na esteira do Nudge, outro autor que ficou famoso por explorar essas "brechas" cognitivas foi Daniel Kahneman com o calhamaço Pensando Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (2011). A tese central do ganhador do prêmio Nobel da Economia é a seguinte: o grande problema é que a troca entre o Sistema 1 e o Sistema 2 é uma atividade que demanda muita energia mental. Por isso, nossa mente tende a permanecer no Sistema 1 quando está no Sistema 1, por exemplo. Projetar sistemas que proporcionem transições suaves entre esses sistemas (e somente quando necessárias) é uma das chaves para criar experiências agradáveis.
De repente, fica mais fácil entender o exemplo do despertador, certo? O livro de Kahneman é recheado de causos de experimentos bacanas que nos fazem perceber o quanto estamos emocionalmente sujeitos a interferências nas nossas atividades. Dois exemplos:
Executivos responsáveis por análise de crédito tem mais chances de emitirem pareceres favoráveis em pleitos analisados após as 13h. O nível maior de rejeição é entre 10h e 12h. Segundo Kahneman, estar com fome nos deixa inclinados a ter mau-humor e analisar problemas com mais pessimismo.
Pessoas divididas em dois grupos (A e B) são convidadas a tentar resolver um puzzle que não tem solução. As pessoas do grupo A, antes de entrar em contato com o brinquedinho, ficam uns 20 minutos esperando em uma sala com uma TV ligada e um controle remoto, que podem usar para trocar o canal. As pessoas do grupo B também aguardam em uma sala com uma TV ligada, mas sem o controle. O autor comenta que as pessoas do grupo A desistem a tarefa muito mais rapidamente que as pessoas do grupo B, que passam quase uma hora tentando resolver o enigma. Ter que escolher é uma ação que gasta energia também.
O design se ocupa do planejamento dos artefatos que oferecem uma mediação entre nós, as pessoas, e o mundo que nos cerca. Ter uma noção dos elementos que configuram tais mediações é uma tarefa que se espalha para domínios multidisciplinares. Reza a lenda que os primeiros elevadores eram muito lentos. Para subir pelos andares dos edifícios, as primeiras engenhocas levavam vários minutos de solavancos e desencorajavam passageiros: relatos de pessoas que, imaginando aqueles longos minutos enclausuradas nos elevadores, desistiam de compromissos em andares mais altos. A lentidão dos elevadores era uma restrição técnica: fazê-los mais rápidos, além de significar um gasto exponencialmente maior de energia, representava um risco de segurança.
Foi quando os empreiteiros começaram a consultar outros profissionais além dos engenheiros que a solução emocional surgiu: incluir espelhos no projeto do elevador se mostrou extremamente eficaz para distrair os passageiros. Muitos, inclusive, passaram a acreditar que os elevadores estavam mais rápidos, apesar a única diferença ser a possibilidade de ficar se ajeitando o cabelo enquanto sobe para o nono andar.
Kahneman não deixa barato. Pra ele, isso tem um nome: chama-se priming effect. O autor comenta sobre vários experimentos que estrategicamente posicionam recursos emocionalmente apelativos para fazer com que pessoas alterem voluntariamente seus comportamentos. Segundo o priming effect, é possível estimular pessoas sutilmente acessando alguns pontos sensíveis da percepção, a ponto delas nem ao menos perceberem que estão sendo estimuladas. Dessa forma, um designer poderia, por exemplo, criar situações em interfaces que sugerem "caminhos certos" para a interação ou até mesmo suprimem potenciais vontades dos usuários.
A partir de 2017, alguns estudos que tentaram replicar os exemplos mencionados por Kahneman em Pensando Rápido e Devagar encontraram inconsistências. De fato, vários experimentos do livro não puderam ser replicados ou demonstram debilidade estatística, isto é, não preencher os requisitos metodológicos para sugerir que as evidências dos comportamentos observados possuam correlação com os dispositivos de priming effect. Além disso, uma crítica frequente de tais pesquisas psicológicas é a de que elas priorizam públicos W.E.I.R.D. em suas amostragens (Ocidentais, Educados, Industrializados, Ricos e Democráticos. Vulgo, EUA e Europa). Ou seja, a variação cultural seria possivelmente um fator a ser levado em conta, e talvez nem todo mundo esteja sujeito às mesmas "leis" comportamentais que a teoria dos dois sistemas pressupõe.
O que isso significa? Embora os estudos da psicologia comportamental sejam úteis em alguns casos, eles estão longe de abranger a totalidade que a ideia de experiência pressupõe para o design. É possível encontrar outras maneiras de abordarmos o assunto se dermos um passo para trás e consultarmos o que o pessoal dos estudos sobre consumo andaram descobrindo.
O modelo informacional e o modelo experiencial
O consumo surge como uma área de interesse para o design a partir do momento em que aspectos além dos funcionais são observados nos artefatos usados pelas pessoas. Nesse sentido, aquilo que é expressado como significado entra em cena como um fator determinante: algo comprado por alguém pode servir como sinalização social ou representar uma simbolização própria antes de ter, necessariamente, um desempenho funcional. Vide estudos como do Douglas e Isherwood (1979) ou o conceito de "capital cultural" de Bordieu (1984).
Em um artigo publicado em 1982, a dupla de professores Morris Holbrook e Elizabeth Hirschman introduz à área de administração e marketing um novo conceito relacionado à área do consumo. Até então, era comum que analistas e pesquisadores considerassem o processo de compra como uma questão informacional: consumidores estariam sujeitos a tomar decisões com base na quantidade de informação disponível. Essa escolha de cunho "racional" seria orientada por fatores lógicos, uma vez que o consumo de produtos inúteis ou "supérfluos" era considerada como "consumismo" ou outros termos pejorativos. Para Holbrook e Hirschman, entretanto, a ideia do consumo poderia ser entendida também por um sistema diferente desse "modelo informacional": os autores propunham o consumo como uma atividade influenciada por um fluxo contínuo de fantasias, desejos, sentimentos e diversão envolvidos em uma visão "experiencial" do ato. Essas visões contrastantes poderiam explicar, por exemplo, porque as pessoas desejavam produtos de uma determinada marca do que de outra.
A ideia de uma "experiência" de consumo pegou e logo se estendeu para outras áreas. No design, a segunda metade do século XX trouxe diversos questionamentos que levaram os profissionais da disciplina a avaliarem dimensões a ser acrescentadas aos projetos de produtos e serviços. Logo, o design não seria mais apenas sobre uma questão de "forma versus função", mas também deveria englobar o que se entende por impacto social, sustentabilidade, fatores humanos, ergonômicos, cognitivos etc. Os problemas de design, agora não mais restritos á mera superficialidade dos produtos, estariam mais próximos de uma ideia geral de interação com o mundo, isto é, envolveriam um aprofundamento sobre a "experiência" que as pessoas teriam ao entrar em contato com os artefatos do design.
Essa proposta da experiência ganha força quando interfaces de uso se tornam o objeto de estudo de profissionais encarregados de descobrir como facilitar as interações entre humanos e máquinas. O clássico modelo de Garrett (2007) é um exemplo de como o conceito é instrumentalizado para sugerir que há algo entre a ideia de um produto/serviço e sua materialização, e que esse algo pode ser dividido em níveis e que a experiência de uso, portanto, seria manipulável a partir de elementos selecionados pelo designer encarregado do projeto da interfase. É em busca da otimização desses aspectos de experiência que a área anteriormente conhecida como Design Centrado no Usuário (DCU) se metamorfoseia para o que hoje é popularmente conhecido como "UX Design" e demais variações do termo. Termos como "usabilidade" soam limitados perante esse universo estranho e sempre cambiante que a experiência sugere.
Entretanto, como qualquer novo elemento que aparece em uma área de estudos, a experiência não está livre de problemas. Pedagogos e estudiosos da educação, por exemplo, são vozes problematizantes do conceito como um todo. O professor Jorge Larrosa, da Universidade de Barcelona, sugere algumas abordagens críticas para o tema em seu artigo Sobre la experiencia (2006). Para ele, existem princípios como "alteridade", "exterioridade", "subjetividade" e "singularidade" que descrevem eventos como verdadeiras experiências e que, justamente por serem tão complexas, elas não poderiam ser o objetivo de um projeto ou de um serviço, pois a experiência é sempre difere entre cada indivíduo.
O objetivo de Larrosa não é exatamente o de desqualificar a experiência enquanto categoria, mas simplesmente apontar que o termo é um tanto "abusado" e que uma análise minuciosa dos seus significados abre possibilidades interessantes, principalmente para o campo da educação. De fato, é estranho pensar em "controlar" experiências: como designers, estamos fadados a, no máximo, correr atrás de resultados desejados, teste após teste. Autores como Carú e Cova (2003) interpretam a busca de experiências sempre transformadoras ou "imersivas" como um problema. Para eles, existem duas categorias de experiência: as profundas e imersivas, que exigem empenho e que transformam as pessoas, criando memórias marcantes; e as experiências mundanas, que acontecem a todo momento, e que justamente por serem mundanas, nos permitem viver o dia-a-dia. Estaríamos retornando aos Sistemas 1 e 2 da psicologia comportamental?
Conclusão
Enquanto o design volta sua atenção para a experiência, é interessante observar os grandes pressupostos que essa visão holística do consumo de produtos e serviços traz. Uma abordagem interessante são as tentativas de mapeamentos de redes de atores que designers de serviço buscam fazer quando exploram as bases de sustentação dos esquemas que estão projetando. Essas redes revelam que, por trás das experiências de uso, encontra-se o trabalho de várias pessoas diferentes que estão participando, direta ou indiretamente, desse contato do cliente com os serviços.
O designer acaba, tragicamente, constatando que a interface da experiência não é restrita apenas entre o usuário e a empresa que oferece o serviço: ela precisa se estender aos demais participantes para se manter harmônica. Se um lado da rede é negligenciado, isso afeta o serviço como um todo. Pode ser uma inconsistência do lado do fornecedor, um resíduo poluente afetando uma comunidade vizinha, ou um parceiro que não está sendo justamente contemplado pela distribuição de recursos do esquema. O problema pode se tornar complexo o suficiente para perdermos o design de vista. Qual, afinal, é o nosso papel nessa grande trama de experiências que estão em jogo?
Embora seja muito difícil ter uma visão completa desses sistemas, essas ferramentas de "design de experiência", como o mapa de atores, ajuda a tornar visível os valores que estão em jogo ao longo do projeto. Por mais que seja difícil chegar a uma resposta correta para as questões que aparecem, podemos pelo menos conseguir refazer as perguntas de um jeito mais criativo.
Referências consultadas
Carù, A.; Cova, B. Revisiting consumption experience: A more humble but complete view of the concept. Marketing theory, v. 3, n. 2, p. 267-286, 2003.
Clarke, A. J. Design for development, ICSID and UNIDO: the anthropological turn in 1970s design. Journal of Design History, v. 29, n. 1, p. 43-57, 2016.
Holbrook, M. B.; Hirschman, E. C. The experiential aspects of consumption: Consumer fantasies, feelings, and fun. Journal of consumer research, v. 9, n. 2, p. 132-140, 1982.
Kahneman, D. Pensando Rápido e Devagar. São Paulo. Objetiva, 2011.
Kalbach, J. Mapping experiences. O'Reilly Media, 2020.
Lallemand, C., Gronier, G., & Koenig, V. User experience: A concept without consensus? Exploring practitioners’ perspectives through an international survey. Computers in Human Behavior, 43, 2015, 35-48.
Larrosa, J. Sobre la experiencia. Aloma. Revista de Psicologia i Ciències de l'Educació, 2006, n. 19, p. 87-112, 2006.
Schimmack, U.; Heene, M.; Kesavan, K. Reconstruction of a Train Wreck: How Priming Research Went off the Rails. Online: Replication Index, Fev. 2017. Disponível em https://replicationindex.com/2017/02/02/reconstruction-of-a-train-wreck-how-priming-research-went-of-the-rails/