Nada pior que mais uma Newsletter / Livros lidos em 2021
Olá, fiquem à vontade! Huahuauhaaaaa
Esclarecimentos
Estamos aqui para iniciar um experimento. Em vez de criar threads no Twitter para tentar desenvolver conteúdos mais sérios, estou apostando em um formato que gere ainda mais insatisfação. Se você optou por estar aqui, lendo isso, eu te amo muito.
Sem mais delongas, vamos ao primeiro assunto sério: livros.
Livros lidos em 2021
Para quê serve, afinal, o Goodreads? Além do êxito em transformar um hobby saudável como a leitura em uma ferramenta de opressão (o que é uma "meta de leitura"? Que doideira é essa?), acredito que a plataforma serve pra duas coisas principais: a primeira é fazer amigos. É sério, dá pra trocar mensagens, recomendar livros pras pessoas, bisbilhotar o que elas andam lendo. Isso é legal. A segunda coisa é poder lembrar o que eu estava lendo em janeiro. Com alguma presença de espírito, consigo resgatar até a nota que eu dei para o livro em questão. Eu nunca parei pra fazer uma recapitulação dessas leituras no fim do ano, mas aqui vai:
Ruined by Design (Mike Monteiro, 2019). Esse livro é divertido. O Autor, um veterano da indústria do desenvolvimento do Vale do Silício, desabafa sobre a falta de ética na concepção dos produtos digitais que usamos diariamente desde os anos 2010. Uber, Facebook, Twitter, nada escapa das afiadas palavras de Mike, que conclui que os designers deveriam ter um código, nos mesmos moldes do juramento de Hipócrates feitos pelos médicos, antes de serem capazes de conduzir projetos. Sorte a nossa que, graças a esse dispositivo, não existem médicos antiéticos, hein Mike! PErdão pelo sal. O livro tem bons pontos sobre representatividade no ambiente de trabalho, principalmente em níveis executivos. Mas acho que é isso que se salva.
Tia Julia e o Escrevinhador (Mario Vargas Llosa, 1977). Não gosto do Vargas Llosa, sei que ele é um xarope e, por mim, não teria o incluído em minha lista de leituras. O grande problema de ser um hater é esse: você corre o risco de deixar de ler coisas boas. Tia Julia e o Escrevinhador é um sarro do início ao fim. Uma leitura divertida, com personagens singulares e situações dignas dos melhores filmes de romance e intriga familiar. E, como se não bastasse, é ligeiramente autobiográfico. Você me paga, Vargas Llosa!
O Complexo de Portnoy (Philip Roth, 1969). Esse é um daqueles livros que a gente resolve ler após tanto ouvir os outros falarem sobre. Sim, é a história de um rapaz judeu extremamente preconceituoso que acaba desenvolvendo um vício em sexo que, aparentemente, tem suas origens em uma infância difícil nas mãos de uma mãe muito controladora. E a história é toda narrada como se você fosse um psicólogo ouvindo o protagonista. Dá vontade de ler né? Diz aí, hehehe. Hehe... (achei que eu fosse gostar mais)
Mobile Game Essentials (Scolastici e Nolte, 2013) & Level Design: Concept, theory and Practice (Rudolf Kremers, 2009). Ah sim. Esse ano eu aceitei uma proposta de produção e aulas para EAD na área de jogos. Eu gosto muito de jogos. Além de algumas experiências breves de desenvolvimento (sobretudo em Game Jams e salas de aula), eu também sou um gamer. Eu jogo games. Foi divertido preparar essas aulas, e alguns livros eu realmente gostei, acabei lendo até o fim e não apenas usando como material de consulta. A conclusão? Fazer jogos é difícil. Muito difícil. Por quê alguém resolve fazer jogos? Vocês estão bem? Querem ajuda?
Os Pioneiros do Desenho Moderno: De William Morris a Walter Gropius (Nikolaus Pevsner, 1936). Você entendeu agora, né? Estou colocando essas informações em uma newsletter porque odiaria admitir no Twitter, assim, em público, que eu li Pevsner em pleno 2021. Mas no primeiro ano de um doutorado em teoria e história do design a gente tem que pagar uns pedágios. O livro do Pevsner ainda aparece, volta e meia, em listas de leitura ou ementas acadêmicas com o objetivo de ser criticado pelas suas influências na nossa disciplina. Dessa vez, não foi diferente. O resultado dessa análise foi publicado no CIDI.
A Ilusão Ocidental da Natureza Humana (Marshall Sahlins, 2008). Sahlins morreu em abril desse ano. Um dos antropólogos de maior renome no século XX, esse livro na verdade é a transcrição de uma palestra dada por ele. O texto acaba tomando esse tom ensaístico, mais provocador e menos acadêmico, criando uma reflexão intensa sobre os problemas em se acreditar que existe uma "natureza" do ser humano. Para o Sahlins, vários problemas que são abordados a partir dessa perspectiva já começam carregando uma série de pressupostos enviesados pelas doutrinas ocidentais de pensamento que dificultam o entendimento de algumas questões. Como argumento, ele começa traçando um paralelo entre Hobbes e Tucídides: nos relatos do historiador grego sobre as insurreições e guerras da época, repousa uma ontologia do ser humano como "naturalmente" egoísta, com objetivos centrados na própria sobrevivência e que acabam moldando as instituições sociais. Hobbes, sendo o primeiro tradutor de Tucícides, resgata esses valores e os aplica em seus postulados sobre política iluminista. E daí pra frente é só ladeira abaixo. Uma leitura incrível, ainda que breve.
A Verdade e as Formas Jurídicas (1978) e História da Sexualidade vol. 1 - A Vontade de Saber (1976) / Michel Foucault. Deve existir uma centena de guias, aulas, videoaulas e videoguias ajudando as pessoas a ler Foucault. Existem alguns princípios e macetes que nos ajudam: lembrar, por exemplo, que por mais que ele não se autodenomine um filósofo, o que ele faz é basicamente se debruçar sobre temas históricos a partir de um ponto de vista filosófico (um ponto de vista que tem suas origens em Nietzsche. Pronto, agora tudo ficou mais fácil, não?). Esses temas geralmente estão alinhados com seus interesses pelos estudos do poder (e suas manifestações políticas, jurídicas etc) e, mais adiante, pela sexualidade. Por isso o História da Sexualidade vol. 1 é um livro bastante didático, no qual Foucault finalmente faz algumas breves considerações sobre seus métodos e objetivos. Acredito que muitas pessoas comecem pelo famoso Vigiar e Punir (que é um baita dum livro, na minha opinião), mas apostaria mais nos dois títulos em bold ali em cima para uma iniciação menos turbulenta.
Cogitamus: seis cartas sobre as humanidades científicas (Bruno Latour, 2010). Ainda sobre autores franceses enigmáticos, Latour é um dos pesquisadores vivos de maior relevância na área das ciências humanas e estudos sociais. Ele tem livros difíceis, mas também tem livros mais didáticos, como o Cogitamus. Nessa obra, Latour simula uma troca de cartas com uma aluna fictícia, por meio das quais delineia seus métodos e ferramentas de pesquisa. Eu gostei muito dessa leitura, volta e meia retorno às páginas para anotar algumas coisas e estou meio que encarando o livro como um guia de bolso para minha pesquisa. Tomara que dê certo.
Walter Benjamin - Obras Escolhidas, Vol. 1: Magia e Técnica, Arte e Política (1985). Benjamin produziu seus escritos na primeira metade do século XX, enquanto presenciava a ascensão do nazismo e demais regimes fascistas pela Europa. Isso é importante. Esse autor, descrito como marxista, acaba sendo lido um pouco deslocado do seu contexto, já que teve que se refugiar e suas publicações não começaram a circular de fato até o fim dos anos 1970. Mas é uma leitura que apresenta muitos conceitos úteis para estudar arte, sobretudo a fotografia e o cinema. Eu não acredito que seja possível iniciar qualquer forma de crítica artística sem antes dar uma olhada no Benjamin. Dentre os textos dessa coletânea está o famoso A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. Vou deixar o fichamento desse texto aqui, caso alguém ache útil.
Sociedade de Consumo (Lívia Barbosa, 2004). Esse é um daqueles livros curtinhos, que trata de temas complexos a partir de uma bibliografia básica, com o intuito de mapear um terreno e deixar a pessoa equipada para investigações iniciais - o famoso ponto de partida teórico. Com o bônus da Lívia escrever muito bem, com um ritmo impecável e uma capacidade de síntese bem afiada. O consumismo é bom? É legal ser consumista? Consumo significa apenas escolher alguma coisa e comprar e pronto? Descubra.
Stuff (Daniel Miller, 2009). Sem palavras para descrever o quanto eu gostei dos Trecos, Troços e Coisas. Miller escreve bonito, coloca piadinhas pelo meio, vende a ideia sem o leitor perceber. Aqui, o importante é pensar um pouco distante da tradição semiótica de interpretação: as coisas que usamos no nosso dia a dia não significam algo, elas são esse algo. Parece difícil, mas pense no meu chapéu de cowboy. Ele não está na minha cabeça para esconder um verdadeiro Bolívar que, sem o chapéu, se revela na sua essência, nu. Veja eu e meu chapéu como quem eu de fato sou. O chapéu cria o Bolívar. Não, eu não tenho um chapéu de cowboy.
Ghost World (Daniel Clowes, 1998) e Batman: Ano Um (Frank Miller, 1987). Eu lembro o motivo de ter adquirido esses quadrinhos: eu recebi uma divulgação da Itiban, uma livraria famosa aqui de Curitiba, fazendo um apelo aos seus clientes. Por causa da pandemia, as contas estavam se acumulando e eles não estavam vendendo o suficiente com a loja física fechada. Aí eu olhei o que estava disponível online e me deparei com dois títulos há muito tempo esperando na fila. Tem muitos quadrinhos que eu quero ler. Eu já fui um leitor mais assíduo desse gênero. Percebi que nunca coloquei no Goodreads os mangás que já li nessa vida, mas talvez isso seja assunto pra outra newsletter. Ah sim, os quadrinhos: o do Batman é excelente. O Ghost World eu talvez não tenha entendido muito bem, mas eu adorei o traço. Preciso ler de novo um dia.
Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes, 1615). Lembra que eu falei que o Goodreads serve pra fazer amigos? Pois bem. Carlos, que me achou por lá e me adicionou, me repreendeu por eu nunca ter lido essa obra, apesar do meu senso de humor peculiar. Eu comecei essa leitura em 2020, porque Dom Quixote é um livro longo, cheio de personagens, com parênteses gigantescos dentro da história principal, nos quais outros personagens aparecem em histórias dentro de histórias que não tem nada a ver com a trama inicial. Isso, dentre outras coisas, me fez demorar pra avançar nessa leitura. E olha, vou confessar aqui: alguns parágrafos eu começava, ficava sacudo e pulava umas linhas. É feio né, mas eu não tenho culpa. Eu devia estar lendo coisas da pós-graduação. Depois que eu terminei de ler, fui pesquisar sobre a história do livro e tem muito estudioso que critica o Cervantes pelas suas tentativas de demonstrar proficiência e virtuosismo na escrita. Uma curiosidade: a segunda metade do livro só foi publicada por que uma versão pirata (fanfic) de um Dom Quixote Parte Dois começou a circular na Espanha, publicada por leitores ansiosos. Aí o Cervantes, puto da vida, foi lá, terminou de escrever e publicou a segunda parte da sua história que, lá pelas tantas, traz a reação do próprio Dom Quixote ao saber que histórias falsas sobre ele mesmo andavam circulando por aí. Perdi a conta de quantas vezes gargalhei lendo esse livro. O Dom Quixote apanha demais, galera. É até meio sádico.
Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas (Elvira Vigna, 2016). Essa foi minha segunda leitura da Elvira. Eu gostei demais desse, que foi seu último livro, mas acho que Nada a Dizer é uma leitura mais "porrada". Ela tem um estilo embaralhado, os fatos não seguem uma ordem cronológica. Memórias se misturam com acontecimentos e interpretações de acontecimentos. E, de repente, o livro termina. Cada frase é escrita com ódio, cada parágrafo é um desabafo. Eu acho que quero ler tudo que a Elvira escreveu. Não precisa jogar "palimpsesto" no Google, eu explico aqui: é uma folha de pergaminho da qual apagaram a tinta do que estava escrito antes, pra poder utilizar de novo (mas fica umas marquinha).
Na próxima edição: pretendo falar mal do Duolingo. Abraços e boas festas!